segunda-feira, 12 de outubro de 2009

É preciso reconceituar o jornalismo





Por Marcelo Salles

Não faz mais nenhum sentido chamar de Jornalismo o que fazem as corporações de mídia. Quem se preocupa com o lucro em primeiro lugar não é uma instituição jornalística. Não pode ser. Quando uma empresa passa a ter como principal meta o lucro, essa empresa pode ser tudo, menos uma instituição jornalística. E aí não importa a quantidade de estrutura e dinheiro disponível, pois a prática jornalística é de outra natureza. Exemplo: eu posso passar uma semana no Complexo do Alemão com um lápis e um bloco de papel. Posso chegar até lá de ônibus. Posso bater o texto num computador barato. Mesmo assim, se a publicação para onde escrevo for jornalística, vou ter mais condições de me aproximar da realidade do que uma matéria veiculada pelas corporações de mídia.

Essas podem dispor de toda a grana do mundo, de carro com motorista, dos gravadores mais caros, das melhores rotativas, de alta tiragem e de toda a publicidade que o dinheiro pode comprar. No entanto, se não forem instituições jornalísticas, elas dificilmente se aproximarão da realidade da favela, isso quando não a distorcem completamente.

Existem outros exemplos para além da questão da favela. É o caso dos venenos produzidos pelas Monsantos da vida, que nunca são denunciados pelas corporações de mídia. Ou da retomada dos movimentos de libertação na América Latina, vistos como “ditatoriais”; a perseguição aos movimentos sociais e aos trabalhadores em geral; a eterna criminalização da política, de modo a manter as instituições públicas apequenadas frente ao poder privado. Enfim, você pode olhar sob qualquer ponto de vista que não vai enxergar Jornalismo.

Isso precisa ficar bem claro. Claro como a luz do dia. Para que as corporações pareçam ridículas quando proclamarem delírios do tipo: “somos democráticas”, “únicas com capacidade de fazer jornalismo”, “imparciais” e por aí vai. Fazer Jornalismo não tem esse mistério todo. Em síntese, é você contar uma história. Essa história deve ter alguns critérios que justifiquem sua publicação. Alguns deles aprendemos nas faculdades e são válidos; outros são ensinados, mas devem ser vistos com cautela. E outros simplesmente ignorados. Mas, no fundo, o importante é ser fiel ao juramento do jornalista profissional: “A Comunicação é uma missão social. Por isto, juro respeitar o público, combatendo todas as formas de preconceito e discriminação, valorizando os seres humanos em sua singularidade e na sua luta por dignidade”.

Essa frase, quase uma declaração de amor, não é minimamente observada pelas corporações de mídia. Vejamos: elas não têm espírito de missão, não respeitam nada, nem as leis, estimulam o preconceito, discriminam setores inteiros da sociedade, violam os direitos humanos e não sabem o significado da palavra “dignidade”. 

Mas por que o Jornalismo é tão importante para uma sociedade? Porque hoje, devido ao avanço tecnológico dos meios de comunicação – são praticamente onipresentes nas sociedades contemporâneas –, a mídia assume uma posição privilegiada no tocante à produção de subjetividades. Ou seja, a mídia, mais do que outras instituições, adquire enorme poder de produzir e reproduzir modos de sentir, agir e viver. Claro que somos afetados por outras instituições poderosas, como Família, Escola, Forças Armadas, Igreja, entre outras, mas a mídia é a única que atravessa todas as outras.

Fica claro, portanto, que uma sociedade será melhor ou pior dependendo dos equipamentos midiáticos nela inseridas. Se forem instituições jornalísticas sólidas e competentes, mais informação, dignidade, mais direitos humanos, mais cidadania, mais respeito, mais democracia. Se forem corporações pautadas pelo lucro, ou seja, entidades não-jornalísticas, menos informação, menos dignidade, menos direitos humanos, menos cidadania, menos respeito, menos democracia.

É por isso que eu sempre digo aqui, neste modesto, porém Jornalístico espaço: as corporações de mídia precisam ser destruídas, para o bem da humanidade! Em seu lugar vamos construir instituições jornalísticas. Ponto.

Revista Caros Amigos - Outubro de 2009.


segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Corrida Olímpica




Em entrevista para o programa Roda Viva na última semana, na TV Cultura, o Ministro do Esporte Orlando Silva disse que o Brasil estava na pole-position da disputa para sediar os Jogos Olímpicos de 2016. Uma semana depois, após o investimento (leia-se gasto) de mais de 100 milhões de reais na campanha Rio-2016 e a vitória épica na corrida para realizar as Olimpíadas, será que nós, brasileiros, já podemos comemorar?

A escolha do Brasil para sediar a Copa do Mundo de 2014 e o atual momento econômico do país, recentemente incorporado entre as grandes potências mundiais, facilitou a escolha do Rio de Janeiro para realizar as Olimpíadas de 2016. Entretanto, essa realização não deleta de nossa memória o presente quadro esportivo do Brasil e nem sua aviltante realidade social, corroborada pela pífia 75ª posição de seu IDH no ranking divulgado este mês pelas Nações Unidas.

A realização dos Jogos Pan-americanos de 2007 no Rio foi uma verdadeira orgia com o dinheiro público. Os gastos na construção de arenas e preparação da cidade foram exorbitantes, excedendo muito o valor que inicialmente se previa. O superfaturamento das obras e o abandono de centros olímpicos após o Pan evidenciam o desvio de verbas, a frouxa fiscalização e a falta de compromisso do governo em promulgar políticas públicas para o esporte no país.

O Brasil nunca foi um país com elevado potencial olímpico e dificilmente se tornará uma referência esportiva em apenas sete anos. Não é de hoje que os atletas brasileiros têm de se prostituir para conseguir patrocínios, pois quase não há incentivos e nem mesmo estrutura para a formação de atletas, sobretudo nas modalidades individuais. Além disso, sequer temos uma cultura esportiva no Brasil.

A realização dos jogos de 2016 no Rio de Janeiro provavelmente será mais uma estratégia política para efetivar a lógica da corrupção e instrumento de desvio de dinheiro público no país. Serão construídas belíssimas arenas esportivas que servirão para maquiar os problemas sociais do Brasil, ofuscando as favelas e a violência que não serão mencionadas pela facciosa potência midiática brasileira, a Rede Globo, assim como foi feito no anúncio da escolha do Rio como sede olímpica, quando mostraram somente os brasileiros em festa e esqueceram (leia-se ocultaram) a realidade.

Com certeza, aquele brasileiro que mora no sertão nordestino, aquele cidadão ribeirinho do Amazonas ou o pequeno agricultor do interior de Goiás sequer saberão que os Jogos Olímpicos serão realizados em seu país. A maioria dos brasileiros no máximo assistirá uma festa pela televisão sem descobrir os reais benefícios da realização das Olimpíadas de 2016 no Brasil. Até mesmo os cariocas, que serão beneficiados por uma relativa melhoria da infraestrutura de sua cidade e aumento no turismo, ainda continuarão convivendo com a violência e com a pobreza.

A partir de agora, cabe aos brasileiros a laboriosa tarefa de fiscalizar o destino das verbas que serão empregadas nas obras no Rio de Janeiro. Devemos reivindicar a efetivação de políticas públicas eficientes para o esporte, como o investimento e criação de bases esportivas e centros de excelência, patrocínio aos atletas, simbiose entre educação e esporte nas escolas e universidades, incentivos à prática esportiva, etc. Somente dessa maneira poderemos evitar o desvio de verbas públicas e criar uma cultura esportiva no país, aumentando nosso quadro de medalhas e ganhando essa corrida olímpica. Assim, talvez tenhamos algo a comemorar com as Olimpíadas de 2016.