terça-feira, 30 de setembro de 2008

Viagem a Machu Picchu: 23/07/08 - 11º Dia

Lembro-me assim, com minúcias, do dia em que conheci Machu Picchu. Às vezes penso que não pode ser, devo estar sonhando, tendo alucinações, porque não é possível existir um lugar com tanta magnificência. Machu Picchu é indescritível, pois nenhuma palavra resume de maneira fidedigna a sensação mágica de conhecê-la. Vou tentar, porém, fazer um pequeno esboço da minha experiência, falar de uma das principais obras realizadas pelo homem.

O grande dia começou às 4 da manhã. Felizmente consegui dormir a noite e a ansiedade foi superada pelo cansaço que se alastrava pelo meu corpo. Fui direto para o banho, já que eu não tinha banhado no dia anterior, devido à falta de energia. Após um banho relaxante, arrumei minhas coisas e, por volta das 4:40, desci para encontrar o grupo que se reuniria às 5. Pretendia ser um dos primeiros a pegar o ticket e logo subir para a cidade sagrada. Eu queria subir o Wayna Picchu (aquela montanha que fica ao fundo de Macchu Picchu), então cada minuto era precioso, pois somente os 400 primeiros a chegar à portaria do pico teriam o privilégio de conhecê-lo.

Do grupo, somente o Nelito e a Quésia desceram antes de mim, mas, infelizmente, tivemos que esperar bastante. O irresponsável do Alex, organizador da excursão, tinha a posse dos bilhetes e ainda não tinha descido. Esperamos até umas 5:30 e praticamente todo o pessoal já estava aguardando, com exceção do organizador e mais uns dois enrolados. O atraso foi inclusive um dos motivos para um bate-boca entre eu e o Alex, mas não vou prolongar essa parte desagradável da história.

Somente os bilhetes de meia-entrada foram entregues e eu, como não tinha carteirinha de estudante internacional, tive que aguardar mais uma vez. Fomos até o local de onde saíam as vans, que ficava bem próximo do hotel, e entramos na fila que já se formara. As vans sobem para Machu Picchu a partir das 5:30, se não me engano, e o parque abre às 6. Fui um dos primeiros da excursão a subir, mas tive que aguardar nosso guia na portaria para pegar o ticket de entrada. Repito: não vá para Machu Picchu pela empresa do tal Manuel.

Durante a subida, a cada metro percorrido pela van, meu coração batia mais forte, ficava cada vez mais alto e mais perto do céu. Finalmente chegamos. A entrada do parque conta com uma infraestrutura de primeiro mundo: possui um bonito hotel, caríssimo; há várias cabines telefônicas; banheiros e um restaurante de padrão internacional, onde um simples sanduíche custa cerca de 40 soles (aproximadamente 22 reais). Aguardei uns 20 a 30 minutos até o guia chegar e entregar o bilhete de entrada. Passei pela catraca e, metros à frente, pude avistar parte das ruínas antes de subir alguns degraus até uma área mais alta da cidade.

Enfim, estava diante da cidade perdida dos incas. Fiquei imóvel alguns minutos apenas admirando Machu Picchu. Não pensava em nada. Não era preciso pensar. Lembro-me apenas da sensação mágica que senti, do ar puro e gélido que respirei, dos meus olhos enchendo de lágrimas, de um sonho que estava sendo realizado. A primeira vista em Machu Picchu ficará registrada em minha memória para sempre. Quando os minutos de êxtase passaram, eu me perguntava: Como poderia existir uma obra humana com tamanha perfeição? Como conseguiram construir uma cidade daquele tamanho no alto das montanhas? Como cortavam e carregavam aqueles blocos enormes de pedra? Como pode existir um lugar tão lindo? Dúvidas que não têm resposta.

Parte do grupo estava reunida, tirando fotos, inclusive com minha bandeira do Brasil, e ouvindo as primeiras explicações do guia. Eu estava eufórico demais para permanecer com o grupo e ficar esperando o guia. Além disso, eu já conhecia boa parte da história de Machu Picchu. Subi até parte mais alta da área agrícola onde há algumas construções que eram utilizadas como celeiros para armazenamento de alimentos. Há uma área bem plana e gramada, onde encontrei várias llamas, um antigo cemitério e o portal de entrada para quem faz a trilha inca. As llamas são bem curiosas, a maioria é mansa, mas se não gostam de você elas dão uma cusparada na sua cara (ainda bem que não foi o meu caso).

Os raios de sol penetravam entre as montanhas que circundam Machu Picchu, criando um jogo de luzes e um cromatismo em perfeita simetria, deixando a vista ainda mais bonita. As nuvens tocavam as montanhas, encobrindo parte delas. O céu, intensamente azul, parecia mais perto. O condor, um dos símbolos dos incas, com suas longas asas voava sobre a cidade sagrada, completando o espetáculo.

Fiz um tour pela área agrícola, caracterizada pelos vários degraus que eram utilizados para o plantio e criação de animais, e desci até a área urbana da cidade, marcada pelas casas e templos. A porta que dá acesso à área urbana tem em sua parte superior uma pedra enorme e que deve pesar muitas toneladas. O primeiro setor urbano é formado por grandes casas, com pedras perfeitamente encaixadas, onde viviam a elite e alguns visitantes que passavam pela cidade.

Nesse setor também se encontra o Templo do Sol, com sua forma arredondada e perfeito encaixe entre as pedras, caracterizando-se como a construção mais perfeita da cidade. Suas janelas são alinhadas de tal forma que no solstício de inverno o sol nasce em uma das janelas e no solstício de verão o sol nasce na outra. A entrada no templo estava restrita, pois muitas pessoas tiravam lascas das pedras que formam o templo acreditando em sua energia. Abaixo do templo existe uma tumba onde foi encontrada a múmia de uma mulher. Arqueólogos acreditam que a tumba era destinada aos imperadores incas.

Entre a primeira parte do setor urbano e a praça dos templos, podemos ver pedras soltas que eram usadas nas construções. Algumas dessas pedras foram inclusive marcadas por arqueólogos, em meados do século passado, como tentativa de simulação das técnicas utilizadas pelos incas para cortá-las. Logo em seguida, um pequeno jardim formado por um notória espécie de orquídea chamada Waqanqui, que em espanhol é chamada de la llorona (a chorona), por ter pétalas em forma de lágrimas.

Ao centro de Machu Picchu, pude visitar a praça dos templos, onde se destacam o Templo das Três Janelas e o Templo Maior. No primeiro templo, durante os solstícios o sol nasce na janela do centro e nos equinócios o sol nasce nas janelas laterais. Já no Templo Maior, em certa época do ano é formada em seu centro a sombra de uma llama. À medida que conhecia a cidade sagrada eu ficava fascinado com o nível de conhecimento arquitetônico e astronômico que os incas empregavam em suas construções.

Atrás do templo maior, há uma sala que possivelmente era utilizada em reuniões da alta sociedade incaica. Suas janelas fechadas permitem uma acústica perfeita, facilitando a reverberação do som. Quando cheguei nesse local tinha um monte de gringos com a cabeça nas janelas e emitindo ruídos simultaneamente, como explicara uma guia. Subi umas escadas e já estava no alto da pirâmide de Intihuatana, onde há o relógio do sol (Intihuatana = aquele que prende o sol), que forma sombras diferentes no início de cada estação do ano e era utilizado no calendário agrícola dos incas. Há também uma pedra com o mesmo formato das montanhas localizadas em volta de Machu Picchu.


Caminhar na altitude e com sol forte demanda elevado preparo físico. Desci até a praça central, que era utilizada para reunir os moradores da cidade, e deitei um pouco na grama com o Ulysses e a Stephannie. Descansei por uns minutos e logo voltei a andar pela cidade de pedra. Fui até a entrada do Wayna Picchu e fiquei imaginando como seria lá em cima. Infelizmente, optei por não subir o pico quando cheguei a Machu Picchu, pois eu gastaria certa de duas horas e meia na aventura e correria o risco de não conhecer a cidade direito, já que teríamos que estar em Águas Calientes ao meio-dia para pegar o trem e eu ainda desceria a pé.

Dei algumas voltas pela segunda área residencial de Machu Picchu, onde ficam as casas das famílias que tinham menor poder na sociedade inca, normalmente trabalhadores. Logicamente, as casas eram construídas com pedras não tão perfeitas e geralmente são menores. Já era quase 11 horas e eu tinha que encontrar o pessoal na saída para descer a pé. Tirei mais algumas fotos e peguei água em uma das várias fontes que cortam a cidade. Foi a melhor água que bebi em toda a viagem, pois não era salobra e estava geladinha. Os guias dizem que essa água não é potável, mas não teria porque não ser se estão livres de poluição. Acho que é para forçar os turistas a comprarem água no restaurante que fica na entrada do parque.

Ao sair do parque, ainda utilizei um dos telefones públicos para ligar para casa. Acho que foi emocionante falar com minha família diretamente de Machu Picchu. Enfim, iniciei a descida. Descer de van demandava um custo de 14 dólares a mais e eu queria economizar. Além do mais, era só descida. Que erro... É degrau que não acaba mais. Cheguei lá embaixo extremamente cansado e com vontade de banhar no Rio Urubamba. Pena que não deu tempo. Gastei tempo apenas tirando foto com a placa de boas vindas, localizada no início da subida. Enchi minha água em mais duas fontes que encontrei pelo caminho e cheguei à estação de trem ao meio-dia. Ainda bem que eu não tive que passar no hotel para pegar bagagens, pois estava com poucos pertences e todos comigo na mochila.

A volta para Cusco foi muito cansativa. O trem atrasou, eu estava super cansado e morto de fome. Perdi as contas de quantas vezes cochilei na volta. Paramos na estação da hidrelétrica de Santa Teresa e pegamos as vans. A única parte divertida da volta foi o motorista Américo, que ficava alugando a Isa e a Raquel, então sentadas no banco da frente. O Gildete com seu “perfeito” espanhol também me matava de rir ao ensinar besteiras em português para o Américo e vice-versa. Paramos apenas uns minutos em Santa Teresa para comprar um lanche.

Chegamos à Cusco por volta das 20 horas, passamos rapidamente no hotel, pegamos nossas bagagens e fomos direto para a rodoviária. Estava louco para comer direito, mas a correria não deixou. Comi um sanduíche porcão na rodoviária mesmo. Nossa viagem entrava na reta final. Embarcamos às 21:00 para La Paz. Ao entrar no ônibus, em menos de meia hora eu já estava dormindo. Estava quebrado após um dia cheio de aventuras. Depois de realizar o sonho de conhecer Machu Picchu, era a hora de sonhar com a cidade sagrada novamente.


sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Viagem a Machu Picchu: 22/07/08 - 10º Dia


Dia de acordar cedo porque Machu Picchu nos espera. Como de praxe, levantei bem cedo (umas 6 horas), tomei café e desci para aguardar o grupo. Estava marcado para sairmos às 7, mas, como sempre, tivemos que esperar alguns atrasadinhos e acabamos saindo quase 8. O pessoal foi distribuído em três vans que viajariam por quase todo o dia até a estação de trem que fica próxima a hidrelétrica de Santa Teresa.

Ao som do violão do Augusto, iniciamos nossa jornada pelo vale sagrado do Rio Urubamba. A primeira parte do trajeto é marcada pela beleza do vale, um dos mais férteis da região, pois é protegido pelas montanhas do vento e do frio. Assim, o vale se torna responsável pela maior parte da produção agrícola destinada à região de Cuzco. Também é comum se observar várias plantações do milho branco gigante, utilizado para produção de chicha (bebida alcoólica proveniente da fermentação do milho e que era utilizada em rituais incas).


A primeira parada foi realizada na pacata Ollantaytambo, que nunca deixou de ser habitada desde a queda do Império Tahuantinsuyo. A cidade conserva importantes elementos característicos da arquitetura incaica, como suas residências feitas de pedra e portas trapezoidais, canais que cortam a cidade com a água que desce das montanhas, e várias plataformas agrícolas construídas nas montanhas do seu entorno. A cultura inca é muito forte na região e a maioria da população parece ter parado no tempo, sendo comum o uso de roupas de lã coloridas, o dialeto quéchua e os mesmo hábitos alimentares e rituais realizados no período anterior à chegada dos espanhóis.


Infelizmente a parada em Ollantaytambo foi muito rápida e não tivemos a oportunidade de comer o famoso porquinho assado e tomar uma caneca de chicha, comuns da região. O pouco tempo que tivemos foi suficiente apenas para tirar umas fotos na entrada da fortaleza de Ollantaytambo, onde há uma feirinha permanente de artesanato. Há muitas coisas bonitas e bem mais baratas que em Cuzco, mas a correria não nos permitiu fazer compras.


De volta à estrada nos deparamos com enormes blocos de pedra espalhados em várias partes da montanha e que, segundo nosso motorista e guia Américo, teriam sido abandonados pelos incas quando perceberam a chegada dos espanhóis na região. Os blocos eram extraídos de uma montanha no lado oposto do rio e levados até a parte mais alta de Ollantaytambo, onde fora construído uma fortaleza. É possível perceber recortes feitos na montanha da qual se retiravam as pedras e também vários buracos nas rochas que seriam tumbas onde enterravam os mortos.


A estrada, ainda asfaltada, foi construída entre as montanhas e pode-se ter uma visão panorâmica de suas inúmeras curvas. Apesar de Águas Calientes estar em altitude inferior a de Cuzco, a primeira metade do caminho é somente de subidas até chegar num pico gelado a 4316 metros de altitude, onde paramos uns minutos para sacar umas fotos.


Pouco depois, quando começamos a descer, a estrada asfaltada fica para trás e entramos numa estrada de terra construída entre cânions, sem para-peito e na maior parte das vezes podia-se passar somente um veículo. Não precisava ser medroso para sentir medo, principalmente nas curvas onde a visão do motorista ficava encoberta pelo paredão de pedra e a buzina era acionada a todo o momento, por questão de segurança. Qualquer deslize e iríamos parar centenas de metros abaixo, nas águas do arredio Rio Urubamba.


A viagem é marcada por um clima tenso, mas é compensada por paisagens de inexplicável beleza. É possível identificar claramente a mudança de uma vegetação seca, nas proximidades de Cuzco, para uma vegetação rica, densa e bem verde, típica da Amazônia peruana, além de várias plantações de banana e café. Passamos por vários vilarejos construídos na beira da estrada, onde os moradores têm uma vida praticamente primitiva, inclusive passamos por uma pequena cidade fantasma, que fora abandonada alguns anos atrás devido às irregulares cheias do Urubamba, que corre ao lado.

Por volta das 2 da tarde, chegamos a Santa Teresa, onde almoçamos. Não há muitos restaurantes, mas os cardápios são bem variados e a comida é um pouco cara. Minha sorte foi que aceitavam dólares e pude pagar a conta com os 20 dólares que eu tinha. A cidade é muito pequena e vive basicamente do turismo e da produção de banana e café. Ali era a cidade natal do nosso motorista e também a residência da maioria dos trabalhadores da hidrelétrica. Além disso, Santa Teresa é o ponto de partida da trilha de 4 a 5 dias para a cidade inca de Choquequirao, descoberta há menos de uma década.

Após quase uma hora de parada, seguimos em frente. Pegaríamos um trem perto da hidrelétrica que sairia às 16:00 e nos levaria até Águas Calientes e, por isso, não podíamos atrasar. No caminho, avistamos a cachoeira que desce da montanha e alimenta a hidrelétrica e fizemos uma breve parada numa ponte onde é necessário registrar o nome, nacionalidade e número do documento de identidade.

Ao chegar à estação de trem, há várias banquinhas de moradores locais, onde são vendidas frutas como banana e abacate, além de refrigerantes, cervejas e outros alimentos. De lá também se pode avistar uma parte das ruínas de Machu Picchu e o Wayna Picchu, na parte oposta à cidade de Águas Calientes. Tiramos algumas fotos e embarcamos cerca de meia hora depois. O trem sobe parte da montanha através de rampas construídas em zigue-zague até atingir certa altura, quando segue a uns 50 metros do rio por cerca de 40 a 50 minutos.


Chegamos a Águas Calientes no final da tarde, umas 17:30 eu acho, e fomos direto para o hotel. A cidade é muito interessante, é cortada pelo rio e cercada por várias montanhas. Passamos por dentro de um mercado que possui uma variedade muito grande de artesanato, mas estávamos muito cansados para parar. No hotel (na verdade era um Hostel), alguns recados foram dados pelos organizadores da excursão e seguimos para o quarto.

O hotel era bem fraco, o quarto um cubículo, o colchão era cheio de buracos e com forte cheiro de mofo, não tinha box no banheiro e pra minha infelicidade parte da energia do hotel acabou quando eu estava no meio do banho. Eu já estava muito grilado com o péssimo serviço oferecido pela agência que nos vendeu o pacote para Machu Picchu e fui tirar satisfação com o dono da agência, um picareta chamado Manuel. Ele pediu que eu aguardasse que ele arrumaria outro hotel, mas que eu não comentasse aos outros colegas da excursão para não gerar maiores problemas (olha que safado). Eu já estava cuspindo fogo quando minutos depois apareceu o Manuel e me levou para outro hotel aparentemente um pouco melhor, mas sem água no chuveiro. Para meu desespero, assim que cheguei ao hotel acabou a energia de toda a cidade, então, já que estava tudo lascado, resolvi voltar para o outro hotel pra não ter que correr o risco de desencontrar do grupo no dia seguinte.


Deixei minhas coisas no quarto, desisti de banhar e fui procurar um lugar pra comer. A cidade possui muitos bares e restaurantes interessantes. Parei num restaurante que tinha comida barata e gostosa, onde acabei ficando amigo do garçom, um metaleiro peruano que usava a camiseta de uma banda de thrash metal de Lima. Comi dois sanduíches e voltei para o hotel, ainda sem energia, e fui dormir. Minha passagem por Águas Calientes não foi muito agradável. A cidade é muito bonita, mas não possui infra-estrutura suficiente para suportar a quantidade de turistas que recebe diariamente. Uma pena. Amanhã chegarei ao principal objetivo da viagem: Machu Picchu.